30.10.06

Sobre o assassinato de José Couso

BREVE RELATÓRIO ACERCA DO ASSASSINATO DO JORNALISTA JÓSE COUSO PERMUY, CAMARAMAN DA TELE 5,
EM BAGDAD NO DIA 8 DE ABRIL DE 2003



No 8 de Abril de 2003 em Bagdad, Iraque, foram atacados sucessivamente os edifícios onde se encontrava a totalidade da imprensa independente acreditada nesse país.

Pelas 7.50 h. da manhã do dia 8 de Abril, a pedido da 3ª Divisão de Infantaria Blindada do Exército dos Estados Unidos, foi lançado um míssil a partir de um avião norte-americano contra as sedes da cadeia informativa Al Jazeera e da Televisão Abu Dhabi, que causou a morte do jornalista jordano Tarek Ayub e feriu o seu operador de câmara. Como consequência do bombardeamento aéreo ficaram presos 22 jornalistas de Abu Dhabi e 5 da cadeia Al Jazeera.

Às 10.46 h. do mesmo dia 8 de Abril, os carros de combate do 4º Batalhão do 64° Regimento Blindado, pertencentes à 3º Divisão de Infantaria do Exército dos Estados Unidos, colocaram-se numa das extremidades da ponte de Jumhuriya, que se encontra a 1,5Km do Hotel Palestina. Neste hotel alojavam-se perto de 300 enviados especiais da imprensa internacional, facto conhecido tanto pela coligação anglo- americana como pelos iraquianos.

Pouco depois das 11.00 h. da manhã, o carro de combate norte-americano Abrams M1, pertencente à Companhia A do 4º Batalhão do 64° Regimento, girou a sua torre, apontou ao Hotel Palestina e, depois de vários minutos, disparou um projéctil HEAT contra o mesmo, à altura do piso 15.

José Couso Permuy, operador de imagem e jornalista da Tele 5, de nacionalidade espanhola, de trinta y sete anos de idade, casado, com dois filhos de seis e três anos, foi alcançado pelo impacto, enquanto se encontrava a filmar a partir do apartamento 1403 do Hotel Palestina situado em Bagdad, falecendo poucas horas depois no Hospital Ibn Nafis de Bagdad, por causa das feridas recebidas.

No ataque faleceu também Taras Protsyuk, jornalista da Agencia Reuters, que se encontrava no apartamento 1503, e foram feridos gravemente Samia Najul, jornalista libanesa, Paul Pasquale, coordenador de satélite, de nacionalidade britânica, e o fotógrafo iraquiano Faleh Kheiber, para além de vários feridos de menor gravidade.

A pessoa que disparou desde o carro de combate Abrahms M-1, foi o Sargento Gibson. O seu superior imediato, o capitão Philiph Wolford, foi quem autorizou o disparo, e quem ordenou disparar contra o Hotel Palestina, foi o Tenente Coronel Philiph de Camp, superior do capitão Philiph Wolford e comandante do 4° Batalhão do 64° Regimento Blindado, a que pertencia a mencionada Companhía A. Finalmente, o responsável último, foi o general Blount, chefe da 3ª Divisão Blindada.

As sedes da Al Yazira, a televisão de Abu Dhabi, e o Hotel Palestina encontravam-se a 500 metros de distancia, sendo todas elas atacadas pela 3ª Divisão de Infantaria Blindada do Exército dos Estados Unidos.

A sede da Al Yazira estava situada num edifício residencial, e havia proporcionado as coordenadas das suas instalações em Bagdad ao Pentágono desde há dois meses, além de que enormes bandeirolas com a palavra TV cobriam o edifício.

O Hotel Palestina, era o hotel onde se haviam alojado a maioria da imprensa internacional. Alguns jornalistas haviam residido antes no Hotel Rashid, mas o Pentágono havia anunciado aos seus chefes que o Rashid era um objectivo militar e recomendou-lhes que se transferissem para o Hotel Palestina. Por tudo isso, os jornalistas sentiam-se seguros no seu interior.

O carácter civil destes edifícios, e que neles se alojava a imprensa internacional era conhecido pelas forças anglo-americanas e pelos comandos norte-americanos.

Numa entrevista recolhida pelos Repórteres Sem Fronteiras no dia 8 de Abril, o Coronel David Perkins da 2ª Brigada de 3ª Divisão de Infantaria e superior hierárquico dos acusados mencionou: “Aos soldados demos-lhes ordens de não disparar contra o hotel, inclusive se lhes alcançavam disparos procedentes do Hotel”.

O Secretario de Estado norte-americano Colin Powell reconheceu a 1 de Maio numa entrevista emitida pela Televisão Espanhola: “We Knew that hotel was full of journalist and others, and that´s why we´ve never targeted it. “ (“Sabíamos que o hotel estava repleto de jornalistas e outros e por essa razão nunca o pusemos como alvo”)

O ataque por um dos seus carros de combate contra o Hotel Palestina, assim como a agressão às sedes da Al Yazira e Abu Dhabi, foi reconhecido desde o princípio pelo Comando Central Aliado em Qatar, justificando-o, no caso do Hotel Palestina, pela existência de um franco-atirador no telhado.

Mas nenhum dos jornalistas presentes no lugar e testemunhas dos factos, confirmou esta tese. Pelo contrário, todos coincidem que no momento dos acontecimentos a situação era muito tranquila e que o carro de combate apontou o seu canhão, durante dez minutos, antes de disparar.

Por parte do governo dos Estados Unidos deram-se até três versões diferentes, culminando estas com uma “investigação” interna auspiciada pelo Governo Ucraniano na qual determinaram que as suas forças actuaram em “defesa própria” quando se encontravam debaixo de fogo e que o disparo ao Hotel Palestina tinha como objectivo acabar com um observador que coordenava os ataques sobre as suas posições, acabando esse fogo após o único disparo sobre o Hotel.

Esta versão choca com as centenas de testemunhas presentes, as gravações das câmaras da TF1 (Televisão Francesa) ou com as próprias imagens que o próprio José Couso gravou até ao momento da sua morte, e onde não se observa combate algum na meia hora anterior ao disparo que lhe causou a morte, o qual, inclusive, colide com o próprio Manual de Combate em Zonas Urbanas do Exército dos Estados Unidos, cujos protocolos de actuação perante um observador inimigo não coincidem, em nenhuma medida, com as actuações que culminaram com o disparo ao Hotel Palestina.

Cabe assinalar que o relatório elaborado pelo Exército dos Estados Unidos não reúne, nem na sua apresentação nem nos seus critérios de elaboração, as garantias para o considerar como INDEPENDENTE, aproximando-se mais a um mero relatório de carácter interno e auto-desculpabilizador.

Sendo os nossos países signatários da Convenção de Genebra que protege o estatuto civil dos jornalistas nas zonas de conflito e havendo sérias duvidas sobre a actuação das forças dos Estados Unidos nos ataques às três sedes informativas mencionadas anteriormente, vemo-nos na necessidade de que os nossos representantes europeus instam o governo dos Estados Unidos à realização de uma investigação verdadeira e independente que clarifique os factos e que apure as responsabilidades que deles possam advir.

A morte em circunstâncias estranhas de um cidadão europeu, no exercício da sua profissão de informador deve ser clarificada e não pode restar nenhuma sombra de dúvida ou responsabilidade no ar.

Aí reside a liberdade de informação e a credibilidade como nação europeia.
Estrasburgo, 8 de Março de 2005 (entregue ao Parlamento Europeu)

1 comentário:

Anónimo disse...

Não conhecia esse lado da história, mais de 100 jornalistas indepentes assassinados?? Força nessa luta sempre..